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Por que a Câmara Municipal deve manter seu Regimento Interno atualizado e moderno?

O Regimento Interno é, sem dúvida, a principal ferramenta de trabalho dos vereadores e servidores da Câmara que atuam na área legislativa (plenário, comissões e assessoria parlamentar). Falaremos nesse texto sobre o que é o Regimento Interno, para que ele serve e até que ponto as Câmaras possuem autonomia para criarem as suas próprias regras internas de organização e funcionamento. Abordaremos, também, as consequências para a Casa e os parlamentares por utilizarem um Regimento defasado e antigo, e que conta com vários dispositivos inconstitucionais. 

O Regimento Interno é uma espécie de “manual de instruções”, ou seja, ele é um guia de toda a organização, estrutura e funcionamento do Poder Legislativo, para que haja ordem e disciplina durante os procedimentos legislativos, afinal, se cada vereador ou Mesa pudesse conduzir o processo legislativo da sua maneira, de acordo com os seus interesses particulares, muitas arbitrariedades, inconstitucionalidades e injustiças seriam cometidas. Com o intuito, portanto, de não dar margem para esse tipo de conduta, a Constituição prevê que as Casas Legislativas devem funcionar de acordo com regras pré-estabelecidas pelo Regimento Interno. Importante ressaltar também que os Regimentos Internos são Resoluções, previstas no Artigo 59 da Constituição Federal, o que significa que possuem força de lei, tendo, portanto, o seu cumprimento obrigatório por parte dos membros do Legislativo. 

Sobre quais assuntos deve tratar um Regimento Interno?

A Constituição Federal traz apenas as regras e princípios gerais do processo legislativo, e ficou sob responsabilidade das Casas Legislativas municipais e estaduais (Câmaras Municipais e Assembleias Legislativas) traçar todas as diretrizes de seu funcionamento e as regras mais específicas, considerando suas particularidades e características próprias. Por isso, encontraremos nos Regimentos Internos, por exemplo: os procedimentos para a tramitação dos projetos de lei, de requerimentos, indicações, emendas, pareceres e outras proposições; as regras para a eleição da Mesa; as atribuições de cada membro da Mesa e das comissões; as Comissões Permanentes existentes na Casa; as Comissões Temporárias que podem ser formadas e o seu funcionamento; as regras para uso da palavra na tribuna; sistemas e modalidades de votação na Casa; as regras do regime de urgência; o processo de tramitação das leis orçamentárias na Casa, dentre outros temas relacionados às parlamentares. Vale frisar que não cabe ao Regimento tratar dos serviços administrativos do Legislativo, porque estes assuntos são regulamentados por outras normas (leis, resoluções, portarias, atos da Mesa, etc). 

Embora exista uma certa “liberdade” na escolha dessas regras de organização e funcionamento da Casa e do processo legislativo, o Regimento Interno deve estar em consonância com todo o ordenamento jurídico (e à luz dele deve ser interpretado), especialmente com a Constituição Federal. Desde que a Constituição foi promulgada em 1988 já foram editadas (até este momento) cerca de 130 emendas constitucionais e, muitas delas, impactaram diretamente os municípios e os regimentos do Legislativo. A Lei Orgânica Municipal, as decisões recentes do STF e demais leis brasileiras também devem ser levadas em consideração ao se realizar modificações regimentais. A título de exemplo: foi aprovada a Emenda Constitucional 76 que acabou com o voto secreto nas votações em processos de cassação de parlamentares e no exame dos vetos do Executivo. Ainda assim, até hoje existem regimentos que mantêm a votação secreta para esses casos, uma inconstitucionalidade que pode, inclusive, levar à anulação judicial dos atos da Casa. Outra situação que alguns regimentos ainda prevêem é o pagamento de parcela indenizatória quando o vereador é convocado a participar de sessão extraordinária. Igualmente ao exemplo anterior, a Constituição Federal, por meio da EC 50/2006,  foi alterada, proibindo que os parlamentares recebam qualquer remuneração pelo fato de participarem de convocações extraordinárias. Esses foram só alguns exemplos para demonstrar a importância de os Regimentos estarem de acordo com o atual ordenamento jurídico, e a necessidade de revisão dessas normas internas, quando encontram-se desatualizadas. É importante também que o Regimento Interno e o funcionamento da Câmara acompanhem as mudanças da sociedade e que esteja sempre condizente com a realidade atual. A adequação do processo legislativo para o meio digital, garantindo mais transparência, publicidade e participação popular é uma forma de modernização da Casa.  

Mas o fato é que em grande parte dos municípios brasileiros, tanto as Leis Orgânicas Municipais quanto os Regimentos Internos das Câmaras estão muito defasados. Muitas dessas normas foram elaboradas no início da década de 1990 e poucas Casas fizeram as atualizações necessárias. Levantamentos feitos pelo Interlegis do Senado Federal informam que em mais de 80% das Câmaras Municipais do país, os Regimentos Internos estão desatualizados e permanecem sem qualquer alteração desde sua primeira versão. Em outras Câmaras de Vereadores, os Regimentos sofreram apenas algumas mudanças pontuais. 

Quais são as consequências de um regimento desatualizado para a Casa e para os parlamentares?

Um Regimento Interno cheio de lacunas e inconstitucionalidades gera uma grande insegurança jurídica, tanto para o Executivo quanto para o Legislativo, e até mesmo para a população. O próprio STF já estabeleceu que um projeto de lei aprovado em desobediência às regras do processo legislativo, mesmo que sancionado e promulgado pelo chefe do Executivo, poderá ser questionado judicialmente e “derrubado”, caso se confirme posteriormente a sua inconstitucionalidade. Essa situação prejudicaria todas as pessoas atingidas pela lei que foi aprovada (e que pode vir a ser declarada inconstitucional), já que a norma começa a produzir efeitos jurídicos após publicada no diário oficial. 

Além disso, um regimento arcaico, com uma redação ultrapassada e repleta de inconsistências, pode prejudicar muito a dinâmica dos trabalhos legislativos da Casa, tanto em aspectos técnicos como políticos. Técnicos, porque a Mesa, os servidores e o assessor jurídico, muitas vezes, se veem perdidos e sem saber o que fazer por falta de regras claras. Não é raro que um assessor ou servidor já tenha ficado em dúvida durante algum procedimento legislativo, por falta de clareza e objetividade regimental. E aspectos políticos porque, não estando claro qual conduta o Presidente e a Mesa devem tomar em cada situação, abre-se margem para a livre interpretação das normas, o que pode resultar no favorecimento de alguns em detrimento de outros, causando, consequentemente, desentendimentos entre os colegas parlamentares. É claro que conflitos sempre existirão, afinal, trata-se de uma Casa Política, composta por parlamentares com interesses e ideologias diversas. Entretanto, se as regras fossem mais claras e objetivas, muitos desgastes desnecessários poderiam ser evitados. Por esses e outros motivos, a Câmara de vereadores que possui um Regimento desatualizado, que já não atende às atuais necessidades da Casa, e não acompanha o ritmo de trabalho do Legislativo, deve preocupar-se em fazer, com urgência, essa reformulação do texto regimental.

Mas… Como fazer a revisão e atualização do Regimento Interno?

Revisar e atualizar um Regimento Interno pode ser uma tarefa bastante complexa para uma Câmara de Vereadores, tendo em vista que se trata de um trabalho minucioso e que exige muito tempo, conhecimento, estudo e dedicação. Ademais, muitas Câmaras contam com equipes super reduzidas com, não raras vezes, apenas um assessor jurídico para atender a todas as demandas da Casa: assessorar o presidente e à Mesa, analisar e elaborar os contratos, assessorar os demais vereadores, acompanhar as licitações, elaborar pareceres das Comissões, dentre outros trabalhos jurídicos e legislativos. Contudo, assumir mais esse trabalho de revisão do Regimento Interno acaba se tornando inviável para o servidor. 

Mas, apesar das adversidades, é necessário que a Casa encontre uma maneira de resolver essa situação e viabilize a atualização do Regimento, a fim de evitar os problemas citados anteriormente. Segue, então, algumas dicas para a realizar a reformulação do Regimento Interno. O primeiro passo é a construção de um consenso político entre os vereadores e a Mesa para que a atualização do texto seja feita. A vontade política dos membros da casa é fundamental, tendo em vista que o Regimento é uma Resolução e, assim como os demais projetos, todos os projetos de resolução passam pela deliberação do plenário. Além do que, para realizar alterações regimentais, em regra, exige-se um quórum qualificado, motivo pelo qual, deve-se, previamente, buscar o compromisso dos vereadores em aprovar a Resolução.

Em seguida, a Casa pode aprovar um requerimento criando uma Comissão Especial de Revisão do Regimento, a qual será responsável pelo acompanhamento dos trabalhos. O Presidente publica no mural ou no diário o instrumento utilizado para a criação da comissão temporária (que pode ser um Ato da Mesa, uma Portaria, uma Resolução, etc), nomeando os membros da comissão. Vale ressaltar que a formação dessa Comissão não é imprescindível para que ocorra a revisão regimental, já que não está prevista em todos os  Regimentos. 

É importante que a Câmara avalie se a sua própria equipe – servidores e vereadores – possuem qualificação e tempo para realizar esse trabalho sozinhos, ou se existe a necessidade de contratar uma Consultoria externa especializada em revisão regimental, o que pode ser feito por um processo de inexigibilidade de licitação. De qualquer forma, ainda que sem a formação de uma comissão especial, e mesmo tendo contratado uma consultoria externa para realizar o trabalho de revisão e atualização do regimento, é recomendável que o presidente designe um grupo de trabalho, sob a condução de um servidor experiente em processo legislativo (preferencialmente da área jurídica), para acompanhar e supervisionar a consultoria dos profissionais contratados, dando feedbacks a respeito do andamento dos trabalhos para o Presidente e vereadores. É fundamental definir também um cronograma de trabalho, com prazos estabelecidos, evitando o prolongamento e a não finalização da revisão do texto.  

Passada essa etapa de organização e alinhamento, inicia-se a revisão regimental propriamente dita, seja por profissionais externos contratados ou pela própria equipe da Câmara. E é nesse momento que se realiza um profundo estudo do Regimento Interno e das normas que nele interferem, como a Constituição Federal, a Lei Orgânica, outras leis e até mesmo a jurisprudência (as decisões dos tribunais de justiça, especialmente do STF), para garantir que nenhum dispositivo ilegal ou inconstitucional seja mantido no Regimento. As características da Casa, as suas práticas legislativas, os costumes, a cultura organizacional, são, igualmente, pontos fundamentais a serem levados em consideração na atualização regimental. Copiar regimentos de outras Câmaras poderá, futuramente, acarretar novos problemas e inconsistências, já que o texto não estará condizente com a realidade da Câmara.

Ao final de todo o estudo, levantamento e validação com a Câmara do que precisa ser alterado, elabora-se um Projeto de Resolução, o qual tramitará na Casa conforme as regras do próprio regimento e do processo legislativo. Como todo Projeto de Resolução, a alteração do Regimento não passa pela sanção/veto do Prefeito: é o próprio presidente da Casa que deve promulgar e publicar, já que a organização interna do Legislativo é assunto da competência privativa da Câmara.  E assim, aprovada a resolução pelos vereadores em Plenário, finalmente, o Presidente promulga e publica a Resolução, cujo objeto será o novo Regimento Interno da da Câmara Municipal, a qual passará a vigorar a partir da sua publicação. Diante do exposto, se os vereadores pretendem melhorar o funcionamento da Casa, modernizar o Processo Legislativo e evitar uma série de problemas de ordem técnica, política e jurídica, devem realizar a atualização do seu regimento, corrigindo todas as lacunas, erros, contradições e inconstitucionalidades do texto regimental.

Autoria: Renata Cunha

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Renata Cunha, professora, especialista em Processo Legislativo e Regimento Interno de Casas Legislativas. Servidora efetiva (Analista Legislativa) na Assembleia Legislativa do Estado de Santa Catarina, há mais de 14 anos. Ministra palestras e cursos presenciais e online para vereadores, assessores e servidores de Câmaras Municipais. Possui milhares de alunos de todo o Brasil nos seus cursos online e mentorias.

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